O Estado de bem-estar (Welfare State) e a “loucura” de Donald Trump
Este texto não é uma defesa do discurso de Donald Trump e muito menos é intenção tomar partido de todas as suas ideias tidas como “loucura”; no entanto, existe um conceito que permeia todos os seus discursos e que torna necessária uma discussão mais profunda.
Este conceito parece estar ligado às grandes corporações e como estas estão destruindo a dignidade do povo americano*. Se os Estados Unidos estão sendo atingidos pelos efeitos das grandes corporações, imagine então como estão os demais países ainda em “processo de desenvolvimento**” perante essas influências corporativas que mandam e desmandam em seus governos.
“São os Estados quem exercem sua hegemonia, através dos mecanismos da competitividade global; são as grandes empresas multinacionais e suas associações que forçam a intervenção política obrigando aos Estados a desmantelar seus aparatos de proteção social com vistas à realização da utopia do mercado livre e ao estabelecimento de formas mínimas de Estado. (…) A globalização econômica funciona mediante processos em que os Estados Nacionais se articulam, entremesclam e imbricam através de atores transnacionais que geram estruturas de poder.” (CASADO, 2000, p. 29 – negrito acrescentado)
Os liberais/neoliberais defendem que uma mão invisível (laissez-faire) dirige o mercado e que este se autorregula oferecendo empregos e benefícios para a sociedade. Desta forma, defendem o Estado Mínimo e a liberdade de produção e comercialização pelas indústrias. No entanto, a história demonstra que o livre mercado não é capaz de se autorregular levando a consequências econômicas e sociais desastrosas com a necessidade de intervenções estatais como na crise de 1929 e na mais atual iniciada em 2007/2008 nos Estados Unidos.
Trump parece visualizar todo este cenário das grandes corporações e os prejuízos causados por elas. Assim, por trás de sua forma debochada de falar dos latinos e de outros estrangeiros que entram irregularmente nos Estados Unidos, há uma grande realidade e soluções expostas por ele, que talvez, os que estão sendo “discriminados” não percebam. Trump fala em um dos seus discursos contra a aliança dos Clintons com estas grandes corporações em detrimento do povo americano. Define esta questão como “Establishment Político”. Veja:
“O establishment político que tenta nos parar é o mesmo grupo responsável por nossos desastrosos acordos comerciais, imigração ilegal em massa e políticas exterior e econômica que sangraram o nosso país até secar. O establishment político trouxe a destruição de nossas fábricas, de nossos empregos, enquanto eles fogem para o México, China e vários países ao redor do mundo. É uma estrutura de poder global responsável pelas decisões econômicas que roubaram a nossa classe trabalhadora, despiram o nosso país de sua riqueza e pôs esse dinheiro no bolso de meia-dúzia de grandes corporações e entidades políticas. (…) Qualquer um que ousar desafiar o seu controle é chamado de sexista, racista e xenófobo.” (BLOG REFLEXÕES, 2016 – negrito acrescentado)
Para Matt Dallek, cientista político da Universidade George Washington, a vitória de Donald Trump aconteceu devido a este ataque ao “Establishment Político” promíscuo entre a família Clinton e as grandes corporações. Apesar disto, Dallek “acredita que a ‘realidade do poder’ vai suavizar a retórica do republicano” (AFPBR, 2016). Apesar da realidade do domínio das grandes corporações dentro de um contexto global, é evidente que combater toda esta estrutura de poder é um compromisso que pode levar a consequências trágicas para Trump. Por isso, talvez, Dallek acredita em uma suavização do discurso do novo presidente.
Este sistema de poder foi o responsável pela miséria e consequente imigração de milhares de indivíduos de diversos países em desenvolvimento, em especial, o México, para os Estados Unidos. Ao impedir a entrada de estrangeiros ilegais e criar mecanismos que naturalmente levem à saída de estrangeiros, ele está se posicionando contra as propostas neoliberalistas das grandes corporações. Com a proposta de Trump o povo americano voltará a ser responsável pela economia produtiva e o governo pelo Estado de bem-estar da população. Já os estrangeiros voltarão aos seus países onde também deverão produzir bens reais*** e o governo, por sua vez, buscar iniciativas para o Estado de bem-estar da população por meio da criação de barreiras contra os mandos e desmandos das grandes corporações.
Exemplo claro das invasões das grandes corporações são os transgênicos no México comercializados pela Monsanto (agora pertencente à Bayer), que levou a uma degradação ambiental com o extermínio de milhares de variedades de milho cultivadas pelos agricultura tradicional. Com isso, ainda acarretou o agravamento de problemas sociais já existentes no país.
Até mesmo economistas conhecedores das implicações da financeirização e das consequentes crises do capitalismo contemporâneo ligadas a estas grandes corporações, parece que não perceberam que o eixo principal do discurso de Trump está muito alinhado com aquilo que eles estudam e defendem. Talvez isso aconteça, devido à ênfase da imprensa e mídias sociais a determinadas falas de Trump, onde se descontextualiza a questão principal de seus discursos: o establishment político corrupto mantido pela família Clinton em conluio com as grandes corporações que dominam a política e as finanças no mundo.
* O conceito de “povo americano” se refere aos norte-americanos, pertencentes aos Estados Unidos; no entanto, dentro de um conceito mais amplo “povo americano” também pode ser aplicado a todos os países do ocidente como os latino-americanos.
** Processo de desenvolvimento geralmente está relacionado com o desenvolvimento econômico e industrial, deixando de considerar os aspectos sociais e ambientais que limitam as grandes explorações dos recursos naturais o que levaria a um desenvolvimento mais sustentável.
*** É necessário falar em “bens reais” e poderia-se acrescentar o termo sustentável que leve ao respeito pelos limites dos recursos naturais e sociais.
Fontes
AFPBR. Vitória de Trump foi ‘ataque contra establishment’. Entrevista com Matt Dallek. 10 nov. 2016. Disponível em: <https://youtu.be/aVZ06DccpgU>. Acesso em: 12 nov. 2016.
BLOG REFLEXÕES. Donald Trump denuncia toda podridão mundial! 6 nov. 2016. Disponível em: <https://youtu.be/3Fee2BEPvdI>. Acesso em: 12 nov. 2016. (Leia a transcrição completa deste vídeo em – Discurso de Donald Trump sobre o “Establishment Político” americano “fracassado” e “corrupto”)
CASADO, G. G.; MOLINA, M. G. de; GUZMÁN, E. S. La agricultura industrializada en el contexto del neoliberalismo y la globalización económica (Capítulo 1). In: Introducción a la Agroecología como Desarrollo Rural Sostenible. Madrid: Ediciones Mundi-Prensa, 2000 (p. 21-40).
VADON, Michael. Donald Trump anuncia que entrará na corrida pela Casa Branca (imagem em destaque). Wikimédia Communs, Fotos Públicas, 09/05/2015.