O caso da bula e a fé na prescrição médica: recorte do programa “Bem Estar”

Letramento científico como resistência ao poder médico

1. Introdução

O "Bem Estar" aborda assuntos de saúde como "cuidados com o corpo, melhorias nos hábitos alimentares e mudanças nos ambientes de casa e de trabalho". Foi o primeiro programa diário da "Central Globo de Jornalismo" a ser transmitido 100% em alta definição. A minha transmissão foi no dia 21 de fevereiro de 2011. Vai ao ar de segunda a sexta-feira às 10h e tem uma duração de 40 minutos. A programação acontece ao vivo com os apresentadores Mariana Ferrão e Fernando Rocha que se utilizam de recursos tecnológicos/didáticos como um holograma 3D, a participação dos telespectadores (na rua ou pela Internet), reportagem e conversa com médicos da linha convencional (cartesiana) e com extensa formação e preparo profissional respondem às mais diversas questões que são levantadas. Para Fernando Gueiros, diretor de produções, um dos conceitos é gerar um clima de "conversa", "bate-papo descontraído", "gente falando para a gente". (MEMÓRIA GLOBO, 2016)

Dentre os médicos que fazem parte do programa, destacamos Roberto Kalil Filho (cardiologista) que tratou dos ex-presidentes do Brasil, Lula e Dilma Rousseff, sendo sua fala em um recorte do programa "Bem Estar" o clímax do assunto que este artigo abordará – o caso da bula e a fé na prescrição médica.

A público alvo do "Bem Estar" parece ser o de nível de "letramento não-científico, rudimentar  e básico" como especificado dentro dos níveis do Indicador de Letramento Científico – ILC (INSTITUTO ABRAMUNDO, 2014, p. 5-7), pois usam de uma linguagem direta e didática para a abordagem dos temas. No entanto, a fala dos médicos sobre a relação paciente-bula e a necessidade de fé na prescrição médica parecem ter como público alvo algum nível anterior ao letramento não-científico. Mais adiante, no recorte do programa, aprofundaremos este assunto.

Segundo Henrique Schroder, hoje diretor-geral da Globo, a ideia do programa era em ter a presença de médicos especialistas e enfatiza que se tratariam de conteúdos que o brasileiro deve saber e o que ele deve evitar, não tratando-se, desta forma, de uma percepção pública da ciência e da busca por uma "relação horizontal médico-paciente",  onde todos os saberes possuem sua importância. Quem define o que é importante saber e o que se deve evitar dentro de uma "relação vertical médico-paciente", onde o "médico é o possuidor do conhecimento" e o "paciente é apenas o ouvinte"? (COSTA, 2010)

"Não bastava o espaço dado à saúde nos telejornais, embora a gente use muito o tema. Era importante ter um programa dedicado à saúde do brasileiro ‐ e é saúde, não é doença. É todo material que você possa levar ao telespectador como ajuda, como apoio para que ele evite as doenças. Contratamos cinco especialistas que seriam a base do programa, cada um em um dia. A partir daí, abordamos o que é importante para o brasileiro saber, o que ele deve evitar." (MEMÓRIA GLOBO, 2016 – grifos meus)

2. Recorte e breve análise do programa

Para análise do discurso médico que permeia todo o programa "Bem Estar", foi escolhido trechos da programação do dia 2 de março de 2015 onde os apresentadores e os médicos tratavam de doenças respiratórias como a rinite alérgica e os medicamentos de alívio para a congestão nasal que podem ter efeitos colaterais na saúde cardiovascular. São trechos das falas do farmacêutico Pedro Eduardo Menegasso e de dois médicos, o pneumologista Roberto Stirbulov e o cardiologista Roberto Kalil Filho, quando falam da bula e da segurança que o paciente deve ter quando o medicamento é prescrito por um médico.


Todos os profissionais da saúde (farmacêutico/médicos) e a apresentadora Mariana Ferrão dão a entender que no momento em que o medicamento é prescrito pelo médico, não há problema nenhum. A confiança/fé no conhecimento médico parece minimizar ou até mesmo eliminar todos os efeitos colaterais que determinado medicamento possa trazer ao paciente, mesmo considerando que estes profissionais têm consciência dos "benefícios e malefícios" que os medicamentos podem oferecer:

"É muito importante que as pessoas, por exemplo, um medicamento que foi prescrito pelo médico, que elas não se preocupem, porque aquilo foi avaliado. O médico conhece estas contraindicações para poder prescrever o medicamento (…) em caso de dúvida, sempre perguntar ao farmacêutico e não se impressionar com as informações, não deixar de utilizar o medicamento, não interromper o tratamento (…) algum problema que tenha lido ali na bula sempre perguntar para o profissional de saúde." Pedro Eduardo Menegasso – farmacêutico (BEM ESTAR, 2015).

"Não existe ficar viciado, existe uma necessidade maior de utilização quando a doença não está suficientemente controlada. O importante é sempre seguir a orientação médica…" Roberto Stirbulov – pneumologista (BEM ESTAR, 2015).

"Os vasos constritores nasais eles também causam um aumento de liberação de adrenalina… Podem causar algum tipo de arritmia cardíaca. Os corticoides, por exemplo, que é usado muito nos bronco-espasmos, eles podem aumentar a pressão. Então o paciente hipertenso, ele tem que tomar cuidado que eles podem descontrolar a pressão e ficar mais hipertenso durante o tratamento. Mas, tudo, você tendo recomendação médica (…) não se preocupe (…) Qualquer tratamento médico, tem o seu risco e o seu benefício. Evidentemente quando o benefício é muito maior do que o risco (…) o médico vai prescrever esse tratamento." Roberto Kalil Filho – cardiologista (BEM ESTAR, 2015).

"Mas se ela seguir a receita, a orientação médica… Provavelmente ele não vai ficar viciado no remédio? (…) O importante é prevenir e controlar. Tomar o medicamento de acordo com orientação médica (…) Quem tem que avaliar se o risco de um medicamento é menor ou maior que o benefício é o médico, não é Dr. Kalil?" Mariana Ferrão – apresentadora (BEM ESTAR, 2015).

Para finalizar, o cardiologista Roberto Kalil expressa uma opinião "pessoal" bem mais radical sobre a prescrição médica e a leitura da bula pelos pacientes e, desta forma, traz uma síntese do pensamento médico e como entendem a relação/comunicação que deve ser estabelecida com os pacientes para a não promoção do letramento científico:

"Bula, se você for colocar bula de água, vai falar que você pode se afogar. Entendeu? Então, bula de remédio tem a sua função, tá dentro da lei; porém, eu sou contra o paciente ler a bula, a não ser a bula para orientar como você usar um produto, um vaso dilatador nasal, ou a bombinha… a posição, só. Mas, a bula de remédio normalmente atrapalha muito. Porque o paciente vai ler a bula, tem, como disse, vários efeitos colaterais (…) – são as regras de uma bula de uma medicação… O paciente deixa de usar o remédio, ou não usa o remédio porque vai ler a bula. Então, quando meus pacientes chegam, isso é uma opinião pessoal… Olha.. A bula diz… Eu não quero nem escutar… Bula é o seguinte… Você pega o remédio… Joga a bula no lixo e toma a medicação conforme orientação médica, tá? Então, tem a sua função, porém, no dia-a-dia, acaba atrapalhando… O paciente que vai ler a bula de um remédio, por exemplo, você vai ler a bula de um remédio útil para o coração, pro pulmão ou para qualquer coisa… que tá lá… Impotência… Efeito psicológico… Queda da libido e impotência sexual no rodapé de uma bula. O paciente nem toma o comprimido.. Ele não consegue ter relação sexual naquele dia. Fator psicológico. Então ele acaba nem tomando o remédio. Então, muito cuidado, muita ponderação… Liga para o seu médico… Qualquer dúvida, você pode até, se você leu a bula… doutor… É isso mesmo? E o médico vai te orientar." Roberto Kalil Filho – cardiologista (BEM ESTAR, 2015).

Chassot, ao analisar este último trecho com a fala de Kalil, conclui que se trata de uma "bulaclastia" (ato de destruir a bula). Analisa que mesmo não sendo fundamentalista, Kalil não está contribuindo para o letramento científico do paciente.

"Não endosso a opinião do médico. Mesmo que ele ressalve ser ‘a sua opinião’ e não assumir uma postura fundamentalista. Concordo que as bulas são verdadeiros jornais. Mas dizer para simplesmente colocar a bula no lixo é uma exagerada 'bulaclastia'. Se, mesmo sabendo que água em excesso pode causar a morte por afogamento, porque não muito conveniente saber que um remédio pode causar sono e, portanto, recomenda-se caso ingeri-lo não dirigir? A bulaclastia desajuda uma alfabetização científica. Dizer que se pode telefonar e perguntar para o médico é uma bonita ficção, nesses tempos que já se clinica por Whatsapp." (CHASSOT, 2016 – grifos meus)

Considerando este posicionamento médico, as informações da bula não valem de nada? Por que não usar as informações da bula para o auto-desenvolvimento do letramento científico?

A dúvida, trazida da telespectadora da Internet (escolhida pelo editor), demonstra, ao não seguir as orientações médicas, um certo "medo" de sua decisão ser equivocada, pois, supostamente, são os médicos, os depositários do conhecimento da medicina e os que sabem o que deve ou não ser feito na prática médica e na administração de medicamentos.

"Bom dia, meu filho, muitas vezes, fica com o nariz congestionado. Já levei ao médico, que sempre recomenda descongestionantes, mas não costumo seguir o receituário, porque fico com medo de viciar meu filho. É certo o que faço?" Graça Gracinha – telespectadora da Internet (BEM ESTAR, 2015).

Para Stirbulov, o descongestionante nasal é um medicamento de alívio que pode trazer efeitos colaterais, mas ressalta a importância da prevenção (ácaro, poeira e mofo) e  a administração de "bons" medicamentos da atualidade, conhecidos como "medicamentos de controle" – os corticosteroides, omitindo os diversos efeitos colaterais dos mesmos.

O primeiro de tudo precisa saber por quê o filho dela está com o problema de congestionamento. Em tese, nós devemos tratar a causa do problema. E deve ser, neste caso, provavelmente uma rinite alérgica. Então, descongestionante é um remédio de alívio e nós não devemos usá-lo em grandes quantidades porque ele tem efeitos colaterais. A grande questão é diagnosticar o problema deste congestionamento e utilizar medicamentos profiláticos – medicamentos controladores e hoje nós temos bons medicamentos para isso. (…) A questão principal é que se a pessoa está tendo que usar muito descongestionante, é porque a inflamação no nariz não tá controlada. Então, toda vez, repito, que se faz o controle (…) é normalmente na rinite alérgica que se utiliza os corticosteroides tópicos nasais… Quando se faz este tratamento adequadamente, se afasta a pessoa dos fatores ambientais que podem causar rinite, por exemplo, ácaro, poeira, mofo… Quando isso é controlado, a pessoa vai ter menos necessidade de usar o descongestionante. Então, o uso abusivo ou intenso do descongestionante, ele pode dar um alívio, mas pode dar efeito colateral, mas também é o fator de alerta pra mostrar pro doente e pro médico que o acompanha, que a sua doença não está controlada. Roberto Stirbulov – pneumologista (BEM ESTAR, 2015).

Para contrapor o posicionamento cartesiano destes profissionais, se faz necessário se apropriar de alguns exemplos que demonstram a possibilidade de um desenvolvimento do letramento científico e consequente busca por alternativas antagônicas aos tratamentos da medicina convencional.

No caso de uma arteriosclerose (placas nas artérias que podem provocar um infarto pelo entupimento total ou parcial das mesmas), o tratamento convencional é à base de medicamentos para "afinar o sangue" como a "Aspirina", outro para impedir a formação de plaquetas, o Clopin e, por último, o uso de estatinas para controlar o colesterol (Trezor).

Na visão de uma medicina holística e/ou sistêmica, deve-se fazer uso de alternativas para reparar as artérias danificadas e endurecidas (excesso de cálcio) que são a causa da pressão alta, e não criar um outro problema "afinando o sangue". Sobre efeitos colaterais, é relevante ressaltar que o anti-plaquetário (Clopin) embora descrito na bula como "muito raramente" (CLOPIDOGREL, 2013), deve se considerar que pode ocasionar inflamação dos vasos sanguíneos, ou seja, incluindo as artérias coronarianas que não poderiam correr este risco, o que se contrapõem à sua finalidade de proteção do sistema cardiovascular. Por último, e mais preocupante, o uso de estatinas como o Trezor (ROSUVASTATINA CÁLCICA, 2014) para o controle do colesterol; pois, se o colesterol está em um nível superior ao comumente encontrado é porque o organismo está tentando controlar algo que está em desiquilíbrio no organismo, que pode ser a tireoide ou um grau superior de inflamação sistêmica que, geralmente, nos casos de arteriosclerose, as artérias são as mais afetadas. O colesterol está presente nas placas numa tentativa de corrigir o problema, já que se trata de um poderoso anti-inflamatório; é como se a comunidade de um bairro acusasse o bombeiro como o causador de um incêndio – no entanto, o bombeiro estar na cena de um incêndio não quer dizer que ele seja o culpado; mas, muito pelo contrário, é ele quem está tentando solucionar o problema (BALDAN, 2013). Além disso, a estatina inibe a enzima HMG-CoA responsável pela síntese do colesterol e também da coenzima Q10 detentora de propriedades antioxidantes que protegem os tecidos cardíacos (HERNÁNDEZ, 2010, p. 495 e 497).

Para o tratamento de uma rinite alérgica, o pneumologista Roberto Stirbulov indica o uso de "medicamentos de controle – os corticosteroides" que funcionam como "anti-inflamatórios e imunossupressores". No entanto, estes corticosteroides também possuem efeitos colaterais que devem ser considerados. Se o organismo está inflamado e com características da presença de alguma doença auto-imune, deve-se investigar a(s) verdadeira(s) causa(s) e estimular a produção endógena destes corticoesteroides que possam contribuir para o tratamento. O médico Cícero Coimbra (neurologista) vem tratando de doenças neurodegenerativas e auto-imunes com a utilização de altas doses de vitamina D3 (na realidade um hormônio esteroide responsável por mais de 3000 funções imunológicas no organismo) e pacientes portadores de doenças como esquizofrenia, esclerose múltipla, vitiligo, lúpus, rinite, sinusite, artrite reumatoide, dentre outras, têm tido resultados surpreendentes (CUNHA, 2015). Outro fator, em nenhum momento mencionado por Stirbulov, são as origens alimentares da rinite alérgica, mais especificamente a proteína do leite; mas, segundo um consenso realizado em 2012 a relação ainda merece mais estudos (SOLE, 2012, p. 21). Não seria mais eficaz excluir o leite e verificar se houve melhora ou não? É necessário mais estudos ou testes laboratoriais para que o médico se sinta seguro em aplicar uma restrição alimentar dentro de um período específico de teste?

Não são as únicas alternativas diante da hegemonia da medicina cartesiana. Existem muitas outras propostas que demonstram a importância de um letramento científico que leve ao questionamento da ciência moderna; não desprezando-a, mas considerando-a como uma das muitas outras formas de se compreender o universo.

Para Capra, esta medicina cartesiana, newtoniana ou ciência biomédica, como descreve, é limitada e tem êxito na medicina emergencial, como no caso de acidentes, onde se deve ter o controle específico de uma fratura, uma contusão ou de uma hemorragia. Por outro lado, a medicina convencional não tem tido resultados satisfatórios com as doenças crônicas como as neurodegenerativas, auto-imunes, dentre outras, que exigem uma compreensão sistêmica do organismo e sua relação com a alimentação e o meio ambiente em que vive.

A conclusão a ser extraída desses estudos da relação entre medicina e saúde parece ser que as intervenções biomédicas, embora extremamente úteis em emergências individuais, têm muito pouco efeito sobre a saúde de populações inteiras. A saúde dos seres humanos é predominantemente determinada, não por intervenção médica, mas pelo comportamento, pela alimentação e pela natureza de seu meio ambiente. (…) São as doenças crônicas e degenerativas — cardiopatias, câncer, diabetes — às quais se deu adequadamente o nome de "doenças da civilização", porquanto estão intimamente relacionadas a atitudes estressantes, dietas muito ricas, abuso de drogas, vida sedentária e poluição ambiental, características da vida moderna. (CAPRA, 1982, p. 18 e 19 – grifos meus)

Não se trata da "possibilidade de não dar certo", mas sim de que o modelo produtivo hegemônico, desde o plantio até o prato dos consumidores, se estabeleceu dentro de uma estrutura que "não permite que dê certo" e "certamente não está dando e não dará certo" para uma saúde individual e muito menos para uma saúde coletiva; com raras exceções onde o indivíduo tenha muita "sorte". No entanto, é um ótimo modelo para a manutenção da doença e a consequente perpetuação do mesmo.

No plantio, se apresenta os perigos dos agrotóxicos e as modificações genéticas das sementes e frutos por meio da transgenia ou da hibridização. Na indústria, os alimentos são modificados e destituídos de suas características, ainda que minimizadas, vitais. Os alimentos que saem do campo e os produtos alimentícios que saem das indústrias alimentícias são produzidos com objetivos comerciais e os profissionais da nutrição e dietética seguem as orientações oriundas das influências de grandes transnacionais sobre os setores agrícolas e de alimentação humana, oferecendo recomendações nutricionais e dietéticas que refletem uma necessidade mercadológica.

Exemplo bastante claro disso é o que aconteceu com as gorduras saturadas e o açúcar, onde os vilões se tornaram as gorduras saturadas para proteger o mercado açucareiro (O'CONNOR, 2016). Parece que a alta escala de produção de grãos a partir da década de 1950, principalmente com a hibridização do trigo, demandava um maior consumo dos mesmos e, para isso, era necessário, de alguma forma, promover as "vantagens" destes alimentos, até mesmo por meio de recomendações dietéticas que fundamentassem a necessidade de uma grande ingestão, como se ilustra na "pirâmide alimentar" (55 a 75% das calorias ingeridas deveriam vir dos carboidratos como arroz, pão, massas, batata e mandioca) que foi considerada como um modelo ideal durante muitos anos e ainda hoje, é a base das recomendações convencionais defendidas por muitos nutricionistas, médicos e muitos outros profissionais da área da saúde. Felizmente, já existem pesquisas que procuram ajustar os erros que condenavam as gorduras saturadas, dentre outros "equívocos" ocorridos, estabelecendo novas recomendações dietéticas que contrariam a clássica pirâmide alimentar e sua recomendação de alta ingestão de carboidratos (HARVARD T. H. CHAN).

Como é de se esperar, este "modelo produtivo" não oferece as condições necessárias para a manutenção de uma boa saúde, originando o aumento de doenças da civilização moderna como a obesidade, problemas cardiovasculares, doenças de origem alérgica, doenças crônicas neurodegenerativas, auto-imunes, dentre outras.

Naturalmente, a pessoa que apresente determinados sintomas se dirigirá a um médico que oferecerá um tratamento medicamentoso; assim, fechando "brilhantemente" o ciclo da doença que se iniciou na indústria agrária e se estendeu até a indústria farmacêutica. Trata-se de um ciclo de manutenção da doença para a obtenção de lucros pelas grandes corporações transnacionais como a Monsanto/Bayer e não tratando-se, desta maneira, da busca por soluções que contribuam verdadeiramente para um melhor viver, como costumam muitas vezes afirmar.

Ciclo de Manutenção da Doença

Com a composição de todo este cenário onde a manutenção da doença parece ser o objetivo, existe um outro pensamento que vem a contribuir e tem relação direta com o pensamento cartesiano impregnado na sociedade. Trata-se do pensamento de que cada um deve ocupar a sua "caixinha", a sua função ou profissão. Não há a necessidade de um conhecimento geral que seja suficiente para a tomada de decisões conscientes. Se está com algum problema de saúde, dirija-se a um médico "especialista" e ele resolverá. Uma dieta? Dirija-se ao nutricionista. Comprar alimentos? Vá ao supermercado.

É suficiente confiar em uma vida setorizada dirigida por profissionais especializados? O que dizer de confiar em uma prescrição médica? Tomar um medicamento não se torna uma questão de fé em "detrimento da própria razão" e razão esta "tão" defendida pela ciência moderna?

"A concepção autônoma do letramento não nos permite questionar textos como a bula, que vêm respaldados por instituições de prestígio, como seriam a instituição médica e a própria tradição letrada, ambas instituições autoritárias. Entretanto, se analisarmos as nossas crenças em relação ao corpo de conhecimento que essas instituições representam, veremos que essa relação é uma questão de fé, e não de lógica ou consistência interna. Em relação à ciência médica, sabemos, por exemplo, que o conhecimento sobre vírus é instável na própria ciência médica, e que muito falta ainda para desenvolver as vacinas necessárias para combatê-los. Também, como leigos, não temos nenhuma evidência empírica sobre sua existência. Entretanto, se uma moléstia é diagnosticada pelo médico como causada por um vírus, aceitamos o veredito e seguimos suas instruções para aliviar os efeitos desse vírus no nosso organismo." (KLEIMAN, 1995, p. 54 e 55)

Este pensamento conduz à aceitação da prescrição médica sem questionamentos, o que impossibilita o desenvolvimento de um letramento científico emancipatório e crítico que leve à apropriação de novos conhecimentos e, consequentemente, de novas alternativas.  Transferir a responsabilidade do conhecimento a outrem, a princípio, parece tornar a vida mais leve e fácil de ser vivida.

Apesar de intrinsecamente ter esta característica de "leveza"; diante de um mundo de grandes cobranças e divergências, talvez seja necessária a apropriação do conhecimento científico pelo paciente para que questione, argumente e busque as possibilidades de tratamento disponíveis, pois do contrário, as consequências podem não ser tão leves como imaginadas, tornando a vida um "fardo" devido ao ciclo de manutenção da doença conforme já colocado. Assim, o letramento científico abre a oportunidade dos questionamentos e poder de decisão dentro de todos os conhecimentos possíveis.

Esta sequência lógica de fatores que contribuem para a manutenção da doença, onde se inclui a confiança naquilo que os médicos prescrevem a ponto do paciente se abdicar da busca pelo conhecimento como a simples leitura de uma bula, também sugere que existe um "poder médico" desempenhando uma relação vertical com o paciente (médico como detentor do conhecimento e paciente ignorante que deve simplesmente aceitar as suas prescrições) valorizando a ciência moderna em detrimento do saber popular e empírico.

3. Poder médico e ciência convencional versus cultura e saber popular

No programa "Bem Estar" é evidente esta relação de superioridade médica em relação ao paciente quando, geralmente, os profissionais participantes se apresentam vestindo símbolos da profissão como o jaleco branco. Na prática médica o jaleco branco tem a sua função como equipamento de proteção individual (EPI); por outro lado, durante um programa televisivo esta vestimenta se apropria de um outro sentido – transmitir uma sensação de segurança, pois o telespectador passa a perceber o comunicador com mais seriedade – "Oh! É um médico!" Porém, também pode ter outro resultado, menos desejado, que é o distanciamento entre quem comunica e o ouvinte, perdendo a ideia inicial do próprio programa "Bem Estar" de ser um "bate-papo descontraído" gerando um clima de "conversa", "gente falando para a gente" (MEMÓRIA GLOBO, 2016).

"(…) a aparência do médico durante a abordagem ao paciente reflete no desenvolvimento do tratamento e da confiança. Dentre os elementos, o jaleco branco foi eleito como o principal construtor dessa ideia, indicando os médicos mais bem preparados e procurados, além de uma ideia maior de higiene. (…) percebeu-se que o profissional teve a sua qualidade determinada pelas vestes que usavam, mas os resultados variavam conforme o grupo estudado. Entre os pacientes, o profissional vestindo branco ou com, pelo menos, jaleco branco foi eleito como o mais bem preparado. Por outro lado, entre os próprios profissionais médicos, o jaleco social era o que mais ditava qualidade do profissional. Quando se trata de uma especialidade que requeira uma confiança na relação médico-paciente mais estreita, a aparência discordou dos dados anteriores: a vestimenta menos formal se sobressaiu." (GOMES, p. 52 – grifos meus).

É evidente que pacientes e médicos são os responsáveis pela construção do imaginário da figura médica como fonte do saber, preparada para solucionar os mais diversos problemas de saúde da humanidade e também para estabelecer uma relação de confiança com o paciente. Ou seja, são os pacientes responsáveis pela manutenção do poder médico e consequentemente pela manutenção da ciência hegemônica. Desta forma, se evidencia uma co-responsabilidade na manutenção do constante etnocídio do saber popular, pois agora o próprio paciente passa a desvalorizar e perceber, muitas vezes, como "algo não científico" seus resquícios de conhecimentos que outrora eram transmitidos de geração em geração.

Houve uma ruptura do ser humano com o saber popular devido à hegemonia da ciência convencional.

Atualmente, a ciência convencional é "aceita irracionalmente e com facilidade" por grande parte da sociedade contemporânea, pois progressivamente se introduziu a ideia de que a ciência pode resolver todos os problemas da humanidade. Mesmo com o desenvolvimento da bomba atômica destinada ao extermínio de milhares de pessoas e a evidente existência de interesses financeiros na prática médica que minimizam a existência de uma verdadeira preocupação pelo paciente, os seres humanos permanecem "crentes" de sua utilidade, veracidade e potencial benéfico que pode trazer para a humanidade.

O desenvolvimento tecnológico oferecido pela ciência como a "suposta ida do homem à lua" criou a necessidade iminente nos pais de prepararem os seus filhos para esta nova realidade. Provavelmente os pais fizeram esforços para enviarem seus filhos às universidades que os preparariam para esta nova realidade e assim realimentariam um sistema onde se sabe que grandes corporações em parceria promíscua com governos coordenam todos os detalhes visando sobretudo a lucratividade, mesmo que em prejuízo do bem comum.

O progresso da ciência depende, em grande medida, da compreensão e do apoio do público a um programa sustentado de educação e pesquisa em ciências (…) americanos (…) ficaram preocupados sobre se seus filhos estavam recebendo o tipo de educação que lhes permitiria lidar com uma sociedade de crescente sofisticação científica e tecnológica. (…) Aumentar o nível de letramento científico entre os americanos foi visto como uma estratégia para abordar de forma eficaz ambas as preocupações (…) (LAUGKSCH, 2000, p. 72 citando a Waterman, 1960 e Hurd, 1958 – grifos meus).

Esta aceitação popular não passou pelos processos cognitivos profundos que a própria ciência convencional diz ser necessários para a construção do conhecimento. A construção desta nova forma de entender o mundo se fundamenta quase que exclusivamente na figura médica como detentora de um conhecimento que é percebido como "quase místico pelo paciente ignorante", que na essência, muito mais que no saber popular, necessita ter fé de que a prescrição ou o procedimento médico lhe trará a cura.

No saber popular o conhecimento era ou ainda é passado de geração em geração, onde a prática (empirismo) constata a eficácia ou não dos mais diversos tipos de tratamentos e hábitos de vida. Esta cultura tradicional com seus conhecimentos específicos sobre saúde e hábitos de vida naturalmente saudáveis tem-se perdido ao longo do tempo pelo processo de industrialização e consequente urbanização e pressões da racionalidade científica. Consequentemente, hoje, quem estabelece, o que funciona ou não, é uma ciência fundamentada em estudos de laboratório, testes em animais e em seres humanos (cobaias) que não fazem parte do cotidiano da maioria das pessoas e que estão sujeitos aos conflitos de interesses das grandes indústrias farmacêuticas.

Como exemplo destes conflitos pode-se citar os fitoterápicos que segundo a Anvisa, a intenção das "medidas restritivas/proibitivas" das indicações das ervas no tratamento dos mais diversos tipos de doenças é de proteger a saúde do consumidor, já que os mesmos também podem ter efeitos tóxicos se usados de forma indevida (FREITAS, 2015).

Após o etnocídio das culturas e de seus saberes, agora a ciência procura de forma "racional" validar os efeitos benéficos dos tratamentos tradicionais que já eram conhecidos há séculos.

Sabe-se que existem "especulações" e "charlatões" quanto às indicações de fitoterápicos no tratamento de doenças; mas, se os mesmos critérios aplicados aos fitoterápicos fossem adotados para os tratamentos convencionais, muitas coisas seriam diferentes na medicina e na saúde financeira das grandes indústrias farmacêuticas. Ações restritivas da Anvisa aos fitoterápicos (ANVISA, 2015) seriam coerentes se o mesmo raciocínio fosse aplicado às radiações e aos coquetéis químicos "supostos tratamentos contra o câncer" – as radio e quimioterapias – já que estas se demonstram ineficazes, destroem a imunidade dos pacientes, causam diversos efeitos colaterais e a resistência ao tratamento pelas células cancerígenas remanescentes aumentam (FELIPPE JR., 2012); no entanto, estes pontos negativos recebem a proteção dos mais diversos estudos randomizados, duplo-cego e o que for necessário para justificar determinadas práticas e tratamentos que favorecem determinados setores da indústria médica/farmacêutica.

Desta forma, sintomas como anemia, ansiedade, constipação, diarreia, dor, fadiga, falta de ar, febre, ferida na boca, infecção, insônia, leucopenia, trombocitopenia, mucosite, mudanças na pele como hiperpigmentação, mudanças nas unhas, mudanças no sistema nervoso, náuseas, vômitos, neuropatia periférica, perda do apetite, prurido e queda do cabelo (CCC, 2016; INCA, 2010) que são todos indicadores de um estado de fragilidade da saúde do paciente; no entanto, passam a ser percebidos somente como efeitos colaterais referentes ao tratamento e, desta forma, apenas medidas paliativas são tomadas, já que o tratamento é priorizado com o objetivo de matar as células cancerígenas, mesmo que em detrimento do bem-estar geral do paciente.

A ciência convencional parece persistir em diversos posicionamentos que retiram o indivíduo de sua realidade, levando-o a práticas que não propiciam os benefícios esperados.

Apesar disso, a super valorização desta ciência é expressada por autores como Shen (1975), Ayala (1996) e Chassot (2003), mas eles também reconhecem que há falhas e que nem sempre a ciência é utilizada para o bem da humanidade, o que evidencia mais um motivo para o letramento científico da população frente a interesses financeiros que ignoram o bem estar da sociedade.

"Os trabalhadores exigidos pelas indústrias modernas têm de compreender instruções tecnologicamente complexas para operar equipamentos e comunicar e cooperar entre si em tarefas que estão longe de ser puramente repetitivas. Esta necessidade, bem como os benefícios do letramento científico, vão além da indústria para outros sectores da atividade econômica, como a agricultura. O aumento acentuado da produtividade agrícola das últimas décadas em países como os EUA é em grande parte atribuível à introdução e aplicação de práticas agrícolas modernas e à utilização de maquinaria eficiente que exige operadores qualificadosO letramento científico também é necessário para o envolvimento de um público informado sobre a vida política e pública de uma nação. Informações sobre questões tecnológicas e científicas são necessárias para uma proporção cada vez maior das decisões tomadas nos níveis mais altos do governo. Se ou não um sistema de estrada será desenvolvido, e onde e como; como decidir entre o desenvolvimento de fontes de energia alimentadas a combustível, hidrológicas ou nucleares; como proteger e melhorar o abastecimento de água e a qualidade do ar; a exploração de recursos minerais ou marinhos; a preservação e uso comercial de florestas, rios e costas: estas são algumas das decisões políticas que não podem ser feitas sabiamente sem conhecimento científico e tecnológico. Os tomadores de decisão precisam contar com assessores de políticas que estão cientificamente e tecnologicamente qualificados para informar adequadamente funcionários do governo e outros sobre esses tipos de questões. Mas os próprios tomadores de decisão precisam ser letrados cientificamente para interpretar, avaliar e usar os conselhos dos especialistas para tomar decisões políticas e implementá-las através do processo político. Legisladores eleitos democraticamente e funcionários do governo são os representantes do povo e devem assumir a responsabilidade por suas decisões, ao invés de simplesmente delegá-los aos especialistas." (AYALA, 1996, p. 2 e 3 – grifos meus).

"A disponibilidade de algumas informações científicas essenciais pode significar a diferença entre saúde e doença, vida e morte. Nos últimos anos, a Revolução Verde melhorou a produtividade de grãos em poucas regiões do mundo, mas o sucesso não depende apenas de uma maior disponibilidade de fertilizantes, pesticidas e irrigação, mas também de um maior nível de letramento científico entre os agricultores, que devem saber como fazer o melhor uso das novas sementes. (…) A entrega do letramento científico prático para o grande número de pessoas que precisam dele é uma tarefa complexa que requer um esforço harmonioso na comunicação de massa. No final de 1975, o satélite de comunicação ATS-6, agora em órbita, será usado em um experimento da Índia para fornecer informações sobre saúde e agricultura através da televisão comunitária a várias regiões rurais desse país." (SHEN, 1975, p. 265 – grifos meus).

É necessário salientar , que os exemplos utilizados por Ayala e Shen para indicar os benefícios da ciência/tecnologia para a sociedade são altamente susceptíveis a questionamentos e objeções desde uma perspectiva agroecológica. Expressões, frases e conceitos como "aumento acentuado da produtividade", "práticas agrícolas modernas", "maquinaria eficiente", "Revolução Verde", "fertilizantes", "pesticidas", "irrigação", "maior nível de letramento científico entre os agricultores" e "experimento da Índia para fornecer informações sobre saúde e agricultura" significam respectivamente para a agroecologia "aumento da infertilidade do solo", "práticas agrícolas destrutivas", "maquinaria compactadora de solos", "Apropriação da Agricultura pelo Capital", "agrotóxicos", "agrotóxicos", "destruição e contaminação dos mananciais de água", "maior nível de doutrinação/dependência dos agricultores com relação às empresas fornecedoras de sementes e insumos agroquímicos" e "experimentos como da Índia trata-se de uma forma de destruição das culturas locais – etnocídio". Assim, a ciência pode ser mais do que uma "fada benfazeja", uma verdadeira "bruxa malvada":

"Vale observarmos que não podemos ver na ciência apenas a fada benfazeja que nos proporciona conforto no vestir e na habitação, nos enseja remédios mais baratos e mais eficazes, ou alimentos mais saborosos e mais nutritivos, ou ainda facilita nossas comunicações. Ela pode ser – ou é – também uma bruxa malvada que programa grãos ou animais que são fontes alimentares da humanidade para se tornarem estéreis a uma segunda reprodução." (CHASSOT, 2003, p. 99 – grifos meus)

Apesar de Chassot considerar que a apropriação do conhecimento científico (letramento científico) é conhecer o universo e entendê-lo, pode-se considerar que o saber popular também é uma forma de conhecer este universo, o que o autor não descarta. A partir deste raciocínio, pode-se afirmar que um cidadão comum, não cientista, mas conhecedor de saberes populares, pode ser muito mais letrado cientificamente que um pesquisador que passa toda a sua vida dentro de um laboratório na busca de um conhecimento específico, sem apropriar-se de conhecimentos práticos, de saberes populares que permitam a leitura do universo, do mundo.

"(…) ser alfabetizado cientificamente é saber ler a linguagem em que está escrita a natureza. É um analfabeto científico aquele incapaz de uma leitura do universo."  (CHASSOT, 2003, p. 91).

"Tenho me envolvido também em como fazer do saber popular um saber escolar. Esta é uma discussão que ainda não está suficientemente presente na Academia. Há nessa dimensão a busca de se investigar um ensino mais impregnado com posturas mais holísticas – isto é, com um ensino de ciências que contemple aspectos históricos, dimensões ambientais, posturas éticas e políticas, mergulhadas na procura de saberes populares e nas dimensões das etnociências -, proposta que traz vantagens para uma alfabetização científica mais significativa, como também confere dimensões privilegiadas para a formação de professoras e professores." (CHASSOT, 2003, p. 97 – grifos meus).

Na agroecologia, fica claro que o conhecimento científico convencional é apenas uma das maneiras de se entender os fenômenos naturais e que existem outras formas de conhecimento que são essenciais como a cultura e a ética pertencentes a um determinado saber popular.

"Os sistemas de conhecimento local, camponês ou indígena têm, a diferença do conhecimento científico, em sua natureza estritamente empírica e em seu pertencimento a uma matriz sociocultural ou cosmovisão contrária à teorização e abstração. A ciência, pelo contrário, reivindica a objetividade, a neutralidade cultural e a natureza universal como elementos centrais à sua pesquisa. Em outras palavras, a ciência reclama um contexto independente da cultura e da ética. O problema, com tal reclamo e desde uma perspectiva agroecológica, é que quando nos aproximamos à artificialização dos recursos naturais, nos encontramos com que a natureza é produto tanto do contexto biofísico como da cultura com que interatua. Isso não deve ser entendido como a rejeição à 'ciência convencional': simplesmente significa que esta forma de conhecimento joga um rol limitado na resolução dos problemas já que não pode se confundir, como acontece comumente, com a sabedoria. A ciência deve ser entendida como uma via de geração de conhecimento entre outras, enquanto que a sabedoria, ademais de uma forma de acesso ao conhecimento, incorpora um componente ético essencial, aportado pela identidade sociocultural de onde surge.

A hegemonia do discurso eco-tecnocrático da sustentabilidade, mencionado ao referirmos à resposta à crises da modernidade, está baseado em um processo de recíproca legitimação entre os beneficiários do crescimento econômico e o 'sistema social da ciência'. Os primeiros reclamam a autoridade baseando-se na ciência, enquanto que a ciência é ensalsada pelo poder dos 'patrões' da estrutura global de poder político e econômico, que financiam a investigação e extensão. O domínio de tal discurso sobre todas as formas de conhecimento distinto ao científico convencional tende a excluir-los aos espaços da mitologia e da superstição; o enfoque agroecológico pretende resgatar-las e revalorizar-las, consciente de que o conhecimento local, camponês e indígena que reside nos grupos locais, adequadamente potenciado, pode encarar a crises de modernidade, ao possuir o controle de sua própria reprodução social e ecológica." (GUZMÁN, 2006, p. 204 e 205 – grifos meus).

No entanto, a hegemonia ainda é de um discurso que transforma práticas holísticas, que entendem o corpo como único e indivisível dentro de um contexto cultural e ético, em mitologia e superstição. Assim, trazendo para a relação médico-paciente, não se alcança o ideal de uma relação horizontal de "bate-papo" como parte do proposto pelo programa "Bem Estar", mas continua em um processo autoritário onde o médico é o detentor do conhecimento e o paciente é o receptor que deve "acatar" todas as suas recomendações, pois ignora o conhecimento que está sendo apresentado (relação vertical). Neste contexto, o programa "Bem Estar" tem uma fachada de diálogo e de bate-papo, mas não passa de "uma verticalização do processo de comunicação", onde os médicos (especialistas) falam e o telespectador (o não especialista) escuta.

"(…) uma relação de poder: enquanto um fala (o especialista), o outro escuta (o não especialista), um participa do processo de conhecimento, que pode ser tecnocientífico, e o outro apenas escuta. Temos aqui, então, uma verticalização do processo de comunicação, que sustenta a distância entre os dois. (…) o público é visto como uma massa homogênea e passiva, formada por pessoas caracterizadas por déficits e falhas; o processo de comunicação é tratado como substancialmente unidirecional, linear, do complexo para o simples, de quem sabe para quem ignora. (…) uma forma de manter o domínio dos especialistas sobre os não especialistas, ignorando a capacidade intelectual e política de um público não educado científica e tecnologicamente (…). (COSTA, 2010, p. 151, 153 e 154 – grifos meus).

Esta relação de poder entre o comunicador e o receptor é comum e talvez um dos motivos é a falta de letramento e letramento científico dos indivíduos em um mundo industrial/urbano que está cada vez mais exigente nestes requisitos e que valoriza superficialmente as culturas tradicionais por meio de feriados/eventos como o "Dia do Índio" ou "Dia da Consciência Negra", mas que na realidade desvalorizam/desprezam e exterminam continuamente a essência de seus saberes. Saberes estes que poderiam interagir em "pé de igualdade" com as ditas "verdades científicas".

O Indicador de Alfabetismo Funcional – INAF coloca um nível de letramento pleno (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2012, p. 5) enquanto o Indicador de Letramento Científico – ILC menciona um nível de letramento científico proficiente (INSTITUTO ABRAMUNDO, 2014, p. 8 e 9) e ambos tratam do estabelecimento de um nível hierárquico que indica um indivíduo capaz de argumentar, criticar e atuar em uma sociedade; mas, desde que seja dentro das limitações da "caixinha do conhecimento" da ciência convencional, onde outros saberes não tem validade. Estes indicadores simplesmente rejeitam o saber popular, entendendo-o como não científico e estabelecem, assim, uma hierarquia de poder entre a ciência convencional e as demais formas de aquisição de conhecimento.

No seminário "Experimenta", promovido pela Abramundo, onde prioritariamente se levantou questões sobre o ILC, dois palestrantes deixam evidente o posicionamento discriminatório do conhecimento, dividindo o mesmo em um saber válido/legitimado pela ciência e um saber inválido e consequentemente não legitimado.

Durante este seminário a superintendente educacional da Abramundo, Maria do Carmo Brant de Carvalho, afirma em sua fala, dentro de um contexto de educação pública, que

"(…) uma imensa maioria de alunos, crianças e jovens (…) são perdedores nessa educação. Perdedores na educação porque chegam à escola e não aprendem. Perdedores porque abandonam precocemente a escola ou foram expulsos pela reprovação, além daqueles que ainda se mantém fora da escola (…)" (INSTITUTO ABRAMUNDO, 2015).

Parece que o êxito ou o fracasso na vida de cada indivíduo são determinados pelo seu histórico escolar. Desta forma, este histórico vai determinar se o aluno, criança ou jovem será ou não um perdedor? Mas, perdedor de que e para quem? Perdedor de oportunidades estabelecidas como necessidades de uma sociedade que impõem o requisito "conhecimento formal e científico" que, muitas vezes, não é realidade para os indivíduos que se submetem a este sistema, pois sempre foram alvos de exclusão. Infelizmente são considerados perdedores e terão menas oportunidades de uma vida digna de ser vivida. No entanto, são perdedores a partir de parâmetros pré-estabelecidos historicamente de definição de conhecimento legítimo que definem a hierarquia de poder na sociedade atual.

A palestrante termina sua fala provocando a plateia para que pense nas questões da interdisciplinaridade como uma necessidade na educação; mas, o problema é muito mais profundo e, definir determinadas pessoas como perdedoras se torna apenas uma fala discriminatória das mais diversas esferas de conhecimentos possíveis e esconde os reais motivos históricos, econômicos e políticos desta segregação social. Talvez a infeliz palavra "perdedores" destinada a estes alunos, crianças e jovens devesse ser substituída pela palavra "sobreviventes", pois continuamente sobrevivem a uma estrutura de aparente inclusão; mas, que na realidade oprime e segrega pessoas, comunidades e civilizações. E pior, tudo em nome de uma suposta "ciência".

"(…) o atual modo de produção econômico e de organização político-social do capitalismo implica processos educativos e formas de conhecimento que, por um lado, são, em sua origem, desigualmente distribuídos e, por outro, atuam como reprodutores da própria desigualdade. (…) a condição de maior ou menor domínio de habilidades de leitura e escrita e o exercício de atividades dessa natureza é antes o resultado da situação social que a possibilidade de maior participação. (…) Enfim, trata-se de combater os discursos que, hipoteticamente valorizando o letramento como um bem em si, mas de fato sustentando a ideia da competição e da diferença, legitimam mecanismos sociais excludentes e a ideologia da competitividade. Em oposição a essa perspectiva, há que se reconhecer que as formas de letramento na sociedade de classes têm uma clara dimensão política (…).  (BRITTO, 2003, p. 47, 56 e 63).

A próxima fala foi do diretor de orientação técnica da Secretaria Municipal de São Paulo, Fernando José de Almeida, que no íntimo parece reconhecer a validade das experiências pessoais e porque não dizer, dos saberes populares; mas, é levado, em nome da ciência, a afirmar que as experiências que vem a mencionar como ilustração da palestra não valem nada, porque se trata apenas de senso comum:

"Detesto quem dá exemplo dos netos e por isso eu não vou dar. Mas, quem tem um monte de netos aqui eu sei… A gente olha o neto com outra visão e começa a entender como é esse processo. Não vale nada o que a gente aprende com nossos netos porque é senso comum! A gente extrapola a aprendizagem com o neto e acha que todo ser humano aprende dessa maneira porque o meu neto aprendeu assim. Não é verdade! Mas, de qualquer maneira ele nos mobiliza muito." (INSTITUTO ABRAMUNDO, 2015).

Este tipo de senso comum, desvalidado pelo próprio palestrante, talvez devesse servir de termômetro dos avanços da ciência e da tecnologia, orientando os indivíduos sobre o que realmente faz sentido ou não, sobre o que é bom ou ruim, sobre aquilo que vai prejudicar ou vai trazer benefícios para a sociedade. Tomar decisões frias, baseadas exclusivamente em fundamentos científicos, muitas vezes, influenciados por interesses de produção e lucro, não trazem resultados sociais e ambientais positivos.

A sociedade industrial/urbana passa a exigir, espontaneamente e cada vez mais, que o indivíduo se aproprie desta ciência convencional/hegemônica; mas, é vital que este indivíduo perceba que esta ciência não é a única forma de conhecimento e não abandone outras formas de conhecimento como os saberes populares e familiares e também se aproprie, em conjunto com as anteriores, das ciências com ênfase mais integrativa (ciências holísticas).

"As mesmo tempo em que a aquisição das novas práticas é percebida como necessária para a sobrevivência e a mobilidade social na sociedade tecnologizada, essa aquisição se constitui no prenúncio do abandono das práticas discursivas familiares." (KLEIMAN, 1995, p. 49).

Voltando ao tema do poder médico, apropriar-se do conhecimento científico (letramento científico) se faz necessário para o médico na sua prática clínica de escutar o paciente e realizar a epistemologia de seu histórico e de seu saber para uma linguagem científica em que possa contribuir para o diagnóstico e as intervenções que sejam necessárias. Quanto ao paciente, este deveria apropriar-se dos conceitos e alternativas científicas como uma ferramenta de resistência contra os mandos e desmandos dos profissionais pertencentes à ciência convencional que, comumente, não permite questionamentos devido à hierarquia médico-paciente já mencionada. Desta forma, a procura de uma solução conjunta por um diagnóstico preciso e pela escolha do melhor tratamento se faz primordial.

4. Letramento científico como uma ferramenta de resistência

Entender o letramento científico como uma ferramenta de resistência perpassa obrigatoriamente pelos conceitos de letramento definidos por Magda Soares, Angela Kleiman e Percival Brito, quando falam respectivamente de uma dimensão social com uma versão fraca e forte (SOARES, 2010, p. 72-80), do modelo autônomo e ideológico (KLEIMAN, 1995, p. 22, 38 e 39) e de uma tendência tecnicista e política (BRITTO, 2003, p. 62 e 63) do letramento.

Compreendem basicamente um letramento para a utilidade produtiva do cidadão e consequente manutenção do sistema hegemônico e de suas elites (versão fraca, modelo autônomo e tendência tecnicista) e, um letramento que promove o senso crítico sobre a vida em sociedade e a resistência que deve ser exercida contra o sistema hegemônico (versão forte, modelo ideológico e tendência política) e, para isso, o indivíduo necessariamente deve se apropriar do conhecimento; no caso do enfrentamento contra o poder médico, também deve apropriar-se de conhecimentos pertinentes.

Com isso, é possível definir duas formas de letramento científico, sendo primeiramente um letramento aliado ao pensamento científico convencional/hegemônico, nomeado aqui como "crítico fraco" onde a crítica se limita ao encapsulamento dos limites do método científico convencional. O outro letramento está aliado a um pensamento científico holístico ou sistêmico, nomeado aqui como "crítico forte", onde se busca o debate, confronto e possível quebra de paradigmas estabelecidos por uma cultura enviesada com a ciência convencional.

A característica principal do letramento científico "crítico forte" é o entendimento de que existem outras formas de se conhecer o universo e a natureza, que por sinal não são estáticos e, assim, permitem necessariamente a apropriação de novos conhecimentos, inclusive os produzidos pela ciência convencional, que aqui não são descartados ou considerados como menos científicos, mas passam necessariamente pelos devidos questionamentos.

"Isso significa não aceitar a tecnologia como conhecimento superior, cujas decisões são restritas aos tecnocratas. Ao contrário, o que se espera é que o cidadão letrado possa participar das decisões democráticas sobre ciência e tecnologia, que questione a ideologia dominante do desenvolvimento tecnológico. Não se trata de simplesmente preparar o cidadão para saber lidar com essa ou aquela ferramenta tecnológica ou desenvolver no aluno representações que o preparem a absorver novas tecnologias." (SANTOS, 2007, p. 483).

"(…) ao apresentar-se o caráter provisório e incerto das teorias científicas, os alunos podem avaliar as aplicações das ciências, levando em conta as opiniões controvertidas dos especialistas. Ao contrário, com uma visão de ciência como algo absolutamente verdadeiro e acabado, os alunos terão dificuldade de aceitar a possibilidade de duas ou mais alternativas para resolver um determinado problema.(…) o ensino de ciências tem veiculado uma imagem reducionista e distorcida da ciência, visão que a apresenta como sendo descontextualizada, individualista e ateórica, rígida, algorítmica e infalível, aproblemática e anistórica e acumulativa."  (SANTOS, 2007, p. 483 e 484 citando a Solomon, 1998 e Cachapuz e colegas, 2005).

Falar do uso do letramento científico "crítico forte" como ferramenta de resistência contra a hegemonia e imposições arbitrárias de uma ciência que se entende, muitas vezes, como detentora da verdade absoluta, leva a pensar em qual seria o nível de letramento científico específico que o paciente deveria ter para poder tomar suas próprias decisões.

Talvez, não seja necessário um letramento científico que propicie um aprofundamento capaz do debate de igual para igual com o poder médico, mas sim, um letramento científico capaz de proporcionar a capacidade crítica das práticas médicas, a percepção de que o que os profissionais da saúde dizem não é a verdade absoluta e de que existem outras possibilidades disponíveis que podem dar novos rumos à resolução dos problemas. Assim, parece que se define, na prática, o termo aqui empregado como letramento científico "crítico forte" e sua utilidade como ferramenta de resistência que proporcione a autonomia do pensamento e decisões dos pacientes e/ou indivíduos.

O jornalismo cumpre um papel fundamental neste processo, pois a linguagem utilizada, por princípio, busca esta aproximação com o leitor, para que entenda e forme um senso crítico sobre o que está lendo e, consequentemente, a realidade que o rodeia passa a ser progressivamente percebida de uma forma mais cuidadosa e crítica.

5. O papel do jornalismo para o letramento científico "crítico forte"

O programa "Bem Estar", no seu papel de jornalismo, não tem alcançado as expectativas de informar por meio de uma relação de bate-papo com os telespectadores, como o próprio programa se propõem. Muito menos tem sido um meio que ofereça ferramentas de questionamento e/ou argumentações que facilitem o processo de resistência contra as barreiras e limitações impostas pela ciência convencional e o poder médico. Pelo contrário, tem sido um meio de propagar esta relação vertical entre médicos e pacientes, mantendo o distanciamento entre "cientista" e "leigo" e orientando que os pacientes sigam as prescrições médicos cegamente: "jogue a bula no lixo e tome o medicamento".

Quais são os limites? Até onde o jornalismo pode ou deveria ir para contribuir com o letramento científico "crítico forte"?

O letramento científico "crítico fraco" é comum na prática jornalística, pois esta busca, geralmente, informações com profissionais e instituições privadas ou governamentais inseridos em um contexto da ciência convencional e, o que os profissionais dizem se torna "a verdade", pelo menos, daquele momento.

No letramento científico "crítico forte" se espera que a prática jornalística promova o debate de ideias nas pesquisas e nas entrevistas com profissionais de inúmeras linhas de pensamento, confrontando a todo momento no texto escrito, nos programas televisivos, rádio ou outro meio de comunicação as ideias opostos, sem preconceitos sobre as origens das ideias, mas utilizando-se do bom senso para a análise de cada discurso. Oferecendo assim, a oportunidade de profundas reflexões aos leitores, telespectadores ou ouvintes que se verão, talvez, em muitos casos, confusos; mas com a possibilidade de escolha em mãos, sabendo que existem formas diferentes de se resolver um mesmo problema e não apenas os caminhos propostos pelo sistema hegemônico.

A texto escrito como artigos e literaturas, é sobrevalorizado e tido como mais confiável do que todas as outras formas de comunicação como o rádio, a TV e a própria Internet. Este último ainda faz uso do texto escrito, áudios, vídeos, transmissões ao vivo e fóruns que ultrapassam os limites das possibilidades de acesso ao letramento científico que se tinha até então.

Como Márcia Abreu (2003, p. 41) esclarece que a valorização da literatura e do texto escrito tem uma condição histórica que deve ser observada. A literatura nacional tratava-se de uma construção de uma cultura e idioma próprio que faziam frente a uma cultura externa, "aristocrática", "cosmopolita", oferecida em "latim ou em francês".

Na área da saúde, especialmente na medicina, quando se fala de provas científicas, sem dúvida irão perguntar: – Onde estão os artigos? – É Qualis A? – Se for Qualis B já é duvidoso! – Foram feitos estudos randomizados de duplo-cego? – Se não tiver isso não serve! É o que os "profissionais" vão dizer.

Pesquisas empíricas como experiências, relatos e observações de casos clínicos já não são aceitos como provas científicas, levando ao descrédito de inúmeros trabalhos que poderiam trazer grandes contribuições para o avanço do conhecimento científico e médico. Esquecem de considerar as questões históricas por trás destes estudos que não possuem todo o "rigor científico" que hoje se exige dentro da ciência convencional "reducionista"; mas que são considerados dentro de uma ciência que percebe o funcionamento e as inter-relações  dos sistemas vivos que vão muito além de experiências controladas dentro de um tubo de ensaio, animais servindo de cobaia e pessoas voluntárias que se submetem às fases clínicas que validarão ou não os estudos realizados.

O jornalismo deve contribuir com o letramento científico "crítico forte" por todos os meios de comunicação possíveis e, hoje, com a Internet, estas possibilidades se expandiram, fazendo-se uso desde textos até áudios e vídeos com facilidades que nunca antes existiram. Márcia Abreu menciona em 2003 estas questões salientando a pouca importância que se dá para o rádio e a TV como meios de letramento da população e onde pode-se somar a estes dois o papel atual da Internet:

"Não há meios de difusão cultural mais disseminados do ponto de vista social, geográfico ou etário do que o rádio e a televisão e mesmo assim a intelectualidade e a escola não parecem se ocupar muito deles. O sonho romântico de consolidar a nacionalidade por meio da cultura parece estar se realizando, não com a literatura como se imaginou, mas por intermédio da televisão e do rádio." (ABREU, 2003, p. 42).

"Há quase cinquenta anos, Robert Escarpit sugeriu que as condições técnicas já permitiam que a universidade e a escola se ocupassem de variados produtos culturais, deixando de concentrar sua atenção exclusivamente na literatura, como foi necessário fazer quando a impressão era o único meio de difusão de massa. (…) Tanto tempo depois ainda não demos esse passo. Continuamos mantendo a atenção focada apenas nos textos escritos e na literatura erudita." (ABREU, 2003, p. 42 e 43).

6. Considerações finais

Todo este artigo buscou evidenciar as razões que fazem do programa "Bem Estar" uma forma de condicionar o pensamento do telespectador, sugerindo, por meios de médicos "gabaritados", que os efeitos colaterais dos medicamentos devem ser ignorados caso sua administração tenha origem numa prescrição médica. "Jogue a bula no lixo e tome a medicação" é o posicionamento do cardiologista Roberto Kalil Filho que resume o pensamento dominante de toda uma classe médica submetida à ciência convencional reducionista, que se auto considera superior a outras formas de aquisição do conhecimento.

Para fazer frente a este pensamento dominante é necessária a apropriação do conhecimento científico, por parte dos "leigos", que seja suficiente para enfrentar a opinião médica, oferecendo autonomia para que possam tomar decisões conscientes. Este letramento deve fazer parte não só dos "leigos"; mas, também da classe médica, para que aprenda a escutar e considerar o histórico, experiências e saberes de seus pacientes; assim, promovendo uma relação horizontal de compartilhamento de conhecimentos.

Alguns filmes evidenciam as possibilidades de pessoas "leigas" (geralmente pais) se apropriarem de conhecimentos científicos para resolverem problemas que surgem em suas famílias (geralmente com os filhos).

O filme "Óleo de Lorenzo" (1992) conta a história de um menino, chamado Lorenzo Odone, acometido por uma doença rara, adrenoleucodistrofia (ALD) que por um erro genético no cromossomo X leva ao acúmulo de ácidos graxos de cadeia longa nos neurônios – bainha de mielina, levando a sérios problemas neuronais e um prognóstico que determinada poucos anos de vida para o paciente. Não existia tratamento para o problema de Lorenzo e seus pais, Michaela e Augusto Odone começaram a estudar e analisar algumas pesquisas espalhadas pelo mundo, chegando ao final, numa mistura de óleos (conhecido como o Óleo de Lorenzo) que impediu o acúmulo destes ácidos graxos na bainha de mielina. A luta destes pais foi um exemplo de resistência ao poder médico e ao monopólio do conhecimento existente entre os profissionais da área.

"Os Odone não aceitaram o monopólio da autoridade científica, compreendida como capacidade de falar e de agir legitimamente, socialmente outorgada a um agente determinado, a comunidade da ciência médica. Promoveram uma ruptura no equilíbrio das relações existentes entre ciência e senso comum; desobedeceram às regras do jogo, no sentido de não aceitar como verdade absoluta um diagnóstico médico e o prognóstico sobre a doença de Lorenzo. (…) A comunidade científica, após longos anos, reconheceu a eficácia do “óleo de Lorenzo”, que teve sua comprovação científica em uma pesquisa longitudinal coordenada pelo neurologista Hugo Mozer, publicada na revista New Scientist. A comunidade científica, então, cooptou Augusto Odone como membro, outorgando-lhe o diploma honorário de medicina. Assim, é possível concluir que o discurso de autoridade científica pode ser questionado e que a ruptura do monopólio da competência científica pode contribuir para aumentar o acervo de conhecimento, sem necessariamente alterar as relações de poder." (MATOS, 2011, p. 447 e 448).

Outro filme é "Meu Filho, Meu Mundo" (1979), onde os pais, Barry e Samahria Kaufman, tiveram a experiência com o filho, Raun Kaufman, diagnosticado com um quadro grave de autismo e juntos rejeitaram os paradigmas dos tratamentos agressivos da época e, pela experiência, descobriram que o estabelecimento de uma relação profunda entre mãe e filho poderia trazer o filho de volta, e assim sucedeu. Hoje a família conduz o projeto "Son-rice" nos Estados Unidos, que busca encorajar as famílias neste processo de relacionamento com os filhos autistas. Principalmente a área das ciências humanas reconhece a contribuição dos conhecimentos trazidos pela família Kaufman (MESQUITA, 2013).

Como último exemplo, está o filme "Pela Vida do Meu Filho" (1997) (história fictícia baseada em experiências reais) que apresenta o tratamento com dieta cetogênica para o controle e cura da Epilepsia. Trata-se da história de um menino (Robbie Reimuller) sofrendo de convulsões e submetido a tratamentos médicos convencionais invasivos que estavam destruindo a vida do mesmo. A mãe (Lori Reimuller) intervem perante o sofrimento do filho, indo à biblioteca para entender melhor sobre a Epilepsia e buscar respostas que pudessem salvar seu filho. A mãe encontra a resposta vinda do médico Dr. Samuel Livingston e seus estudos de caso com a utilização da dieta cetogênica, uma dieta isenta de carboidratos. Atualmente e infelizmente, a dieta é uma opção somente em casos onde os medicamentos não possam controlar as convulsões e que não seja viável ou possível uma intervenção cirúrgica (NONINO-BORGES, 2004). Um amigo da família Reimuller, o médico afastado Peterson, discute com a colega de profissão, a médica Abbasac, responsável pelo tratamento de Robbie, e expõe claramente as relações intrincadas entre o público "leigo" e os médicos e também a fragilidade da ciência convencional camuflada em nome de uma ciência fundamentada em evidências científicas:

Peterson – Os Reimullers decidiram tomar outro caminho. Eles vão inscrever Robbie no programa de dieta cetogênica da Johns Hopkins.

Abbasac – Eu disse para Lori que as condições para uma transferência segura devem ser atendidas, incluindo um médico para acompanhar Robbie. Eu não sei de um único médico que endossaria o tipo de loucura que ela está propondo para submeter seu filho.

Peterson – Claro que não. Uma vez que muitos na nossa profissão optam por não olhar para além dos limites de drogas e cirurgia. É o que me fez mudar de carreira, mas a minha licença médica está atualizada.

Abbasac – Você é um médico?

Peterson – Nós vamos atender às suas exigências para a transferência segura de Robbie. Eu vou acompanhá-lo até Baltimore.

Abbasac – Dr. Peterson? Eu suponho que o senhor saiba que toda a evidência com relação à dieta cetogênica é circunstancial. Não existe absolutamente nenhuma evidência científica de que esta dieta funcione.

Peterson – Quando fala em evidências científicas, a senhora quer dizer estudos aprofundados. Então eu tenho que lhe perguntar: Onde estão os estudos sobre os efeitos de todos os medicamentos que a senhora aplicou em Robbie? Onde estão os estudos sobre a cirurgia que a senhora está propondo como resultado do eletrocorticograma? Doutora Abbasac, para arbitrariamente fingir que seus tratamentos para a epilepsia são ciência e, em seguida, argumentar contra uma dieta cetogênica, me parece ser a mais cruel das experiências. Quando você e eu nos tornamos médicos, fizemos um juramento que dizia: "Primeiro não fazer mal". Agora, se essas pessoas querem experimentar outra coisa para controlar as crises de seu filho alterando o que ele come em vez de drogas e cirurgia, bem, eu acho que eles merecem essa chance.

A ciência convencional moderna cartesiana destruiu o saber popular criando uma nova cultura.  Assim, os indivíduos devem se apropriar desta nova cultura pelo letramento científico e como parte de um conjunto de soluções de nossos problemas da vida contemporânea; mas, exercendo a CRÍTICA como forma de resistência e CONFRONTO perante os poderes dominantes na  busca por outras alternativas e conhecimentos.

O indivíduo poderia viver muito bem sem a ciência; no entanto, a vida moderna e a automática dependência dos serviços de saúde, incluindo médicos e medicamentos, fazem necessário um apropriação do conhecimento científico. Neste contexto, as afirmações de Chassot (2003, p. 97 – citando a Furió et al, 2001 e Serres, 1991) fazem sentido:

"(…) poderíamos pensar que alfabetização científica signifique possibilidades de que a grande maioria da população disponha de conhecimentos científicos e tecnológicos necessários para se desenvolver na vida diária, ajudar a resolver os problemas e as necessidades de saúde e sobrevivência básica, tomar consciência das complexas relações entre ciência e sociedade. Parece válido considerar a ciência como uma parte da cultura de nosso tempo." (grifos meus)

Desta forma, é fundamental entender os meios de controle exercidos pela ciência convencional e resistir/enfrentar os conceitos preestabelecidos dentro da cultura moderna onde as prescrições médicas parecem impedir os efeitos colaterais dos medicamentos. "Jogar a bula no lixo e tomar o medicamento" é apenas um pensamento arbitrário que reflete a hegemonia do pensamento médico sobre o poder exercido na sociedade sem direitos aos questionamentos por parte do paciente.

Como disse Chassot (2016), a bulaclastia não contribui para o letramento científico e assim pode-se considerar que é primordial a aquisição do conhecimento para o enfrentamento de um poder médico atrelado aos conceitos reducionistas da ciência convencional que não permite questionamentos e contribuições do público "leigo" que estuda e pesquisa e que também vê com maus olhos as opiniões do "senso comum" e do "saber popular".


Referências bibliográficas

ABREU, Márcia. Os números da cultura. In: RIBEIRO, Vera Masagão (Org.). Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003.

ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Consolidado de normas da COFID (Versão V), 2015. Disponível em: <portal.anvisa.gov.br/documents/33836/351410/Consolidado+de+normas+da+COFID+(Versão+V)> Acesso em: 4/12/2016.

AYALA, Francisco J. “Introductory essay: the case for scientific literacy”. World Science Report, Unesco, 1996. Disponível em <unesdoc.unesco.org/images/0010/001028/102819eo.pdf> Acesso em: 13/11/2016.

BALDAN, João Carlos. De vilão a mocinho. A saga do colesterol segundo Dr. Kater, in Salutis. 19 nov. 2013. Disponível em: <youtu.be/_2aMXY6qVu0> Acesso em: 14/11/2016.

BEM ESTAR. Doenças respiratórias estão relacionadas com a saúde do coração. G1: São Paulo, 2/03/2015. Disponível em: <g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/03/doencas-respiratorias-estao-relacionadas-com-saude-do-coracao.html> Acesso em: 13/11/2016.

BRITTO, Luiz Percival Leme. Sociedade de cultura escrita, alfabetismo e participação. In: RIBEIRO, Vera Masagão (Org.). Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003.

CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: A Ciência, a Sociedade e a Cultura Emergente. 25ª Ed. São Paulo: Cultrix, 1982.

CCC. Centro de Combate ao Câncer. Efeitos colaterais. Disponível em: <cccancer.net/tratamento/efeitos-colaterais/#1462479816-1-78> Acesso em: 4/12/2016.

CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr, 2003, nº 22, pág. 89 a 100. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/rbedu/n22/n22a09.pdf> Acesso em: 13/11/2016.

____________. Re: Pesquisa – Letramento Científico – Scientific Literacy (Programa Bem-Estar – Globo) [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <bolina@bolina.net> em 21 out. 2016

COSTA, Antonio Roberto Faustino e et al. “Modelos de comunicação pública da ciência: agenda para um debate teórico-prático”. Em Conexão – Comunicação e Cultura, v. 9, nº 18, 2010, p. 149-158. Disponível em <ucs.br/etc/revistas/index.php/conexao/article/viewFile/624/463> Acesso em: 13/11/2016.

CLOPIDOGREL. [Bula]. Responsável técnico: Miriam Onoda Fujisawa. Campinas: Medley, 27/06/2013. Medicinanet. Disponível em: <www.medicinanet.com.br/bula/7451/clopidogrel.htm> Acesso em: 15/11/2016.

CUNHA, Daniel. Entrevista Cícero Coimbra | Altas doses de vitamina D. 1 out. 2015. Disponível em: <youtu.be/2vdJbowhTxY> Acesso em: 14/11/2016.

FELIPPE JR. José de. A relação problemática entre as células malignas e o uso de radio e quimioterapia. Brasília, Matéria Médica. 14/11/2012. Disponível em: <www.medicinabiomolecular.com.br/sdi4/sdi4-arquivos/pdf/news58.pdf> Acesso em: 4/12/2016.

FREITAS, Rosana Faria de. Anvisa quer calorizar fitoterápicos; produtos também oferecem riscos. UOL, São Paulo, 24/04/2015. Disponível em: <noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2013/04/15/apesar-de-naturais-fitoterapicos-podem-fazer-mal-a-saude.htm> Acesso em: 04/12/2016.

GOMES, Lucas A. G. do Nascimento; RODRIGUES, Felipe S.; et al. Além do que se vê: análise da representação social atribuída ao profissional médico por meio de sites de busca disponíveis na Internet. Tempus, actas de saúde coletiva, Brasília, 9(2), 41-55, jun, 2015. Disponível em: <www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/1550/1418> Acesso em: 4/12/2016.

GUZMÁN, Eduardo Sevilla. Perspectivas agroecológicas 1. Barcelona, ES: Icaria Editorial S. A., 2006.

HARVARD T. H. CHAN. Healthy Eating Plate & Healthy Eating Pyramid. The Nutrition Source: School of Public Health. Disponível em: <www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/healthy-eating-plate> Acesso em: 15/11/2016.

HERNÁNDEZ, Angel G. Tratado de nutrición – Tomo I: bases fisiológicas y bioquímicas de la nutrición. 2ª Ed. Madrid: Médica Panamericana, 2010.

INCA. Instituto Nacional de Câncer. Quimioterapia: Orientações aos pacientes. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, INCA, 2010. Disponível em: <www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/Orientacoespacientes/orientacoes_quimioterapia.pdf> Acesso em: 4/12/2016.

INSTITUTO ABRAMUNDO. Indicador de Letramento Científico: relatório técnico da edição 2014. São Paulo: Ação Educativa, Ibope, 2014. Disponível em: <www.institutoabramundo.org.br/wp-content/uploads/2014/11/relatorio-final-ilc-jul2014-2.pdf> Acesso em: 13/11/2016.

___________________. Abramundo educação em ciências. 1º Seminário Experimenta: educação + ciência + tecnologia. 21/05/2015. Disponível em: <youtu.be/vj6h45gm_Qc> Acesso em: 7/12/2016.

INSTITUTO PAULO MONTENREGRO. Inaf Brasil 2011: Indicador de Alfabetismo Funcional: principais resultados. IPM/ IBOPE [Internet]. 2012[cited 2014 Oct 28]; 18 p. Disponível em: <www.ipm.org.br/pt-br/programas/inaf/relatoriosinafbrasil/Documents/inaf2011-2012.pdf> Acesso em: 13/11/2016.

KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: _____ (org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

LAUGKSCH, Rüdiger C. Scientific literacy: a conceptual overview. Science Education, v. 84, nº 1, 2000, p. 7194. Disponível em <www.kcvs.ca/martin/EdCI/literature/literacy/Laugksch_Scientific_Literacy.pdf> Acesso em: 13/11/2016.

MATOS, Fátima R. Ney; LIMA, Afonso C. e GIESBRECHT, Cláudia M. Estudo observacional das relações de poder no filme O Óleo de Lorenzo. CADERNOS EBAPE.BR, v. 9, nº 2, artigo 11, Rio de Janeiro, Jun. 2011. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/cebape/v9n2/12.pdf> Acesso em: 08/12/2016.

MEMÓRIA GLOBO. Formato: Bem Estar  é um programa matinal que trata de saúde e qualidade de vida. Disponível em: <memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-jornalisticos/bem-estar/formato.htm> Acesso em: 13/11/2016.

MESQUITA, Vânia dos S. e CAMPOS, Christine P. de. Método son-rise e o ensino de crianças autistas. Revista Lugares de Educação [RLE], Bananeiras/PB, v. 3, n. 7, p. 87-104. Edição Especial. Dez., 2013 ISSN 2237-1451 Disponível em <periodicos.ufpb.br/index.php/rle/article/download/16975/pdf> Acesso em: 8/12/2016.

Meu Filho, Meu Mundo. Direção: Glenn Jordan. TV Movie, 1979. (120 minutos), NTSC, color. Título original: Son-Rise: A Miracle of Love.

NONINO-BORGES, Carla Barbosa et al . Dieta cetogênica no tratamento de epilepsias farmacorresistentes. Rev. Nutr.,  Campinas ,  v. 17, n. 4, p. 515-521,  Dec.  2004 .   Disponível em: <www.scielo.br/pdf/rn/v17n4/22899.pdf> Acesso em: 8/12/2016.

O'CONNOR, Anahad. How the Sugar Industry Shifted Blame to Fat. The New York Times, 12/09/2016. Disponível em: <www.nytimes.com/2016/09/13/well/eat/how-the-sugar-industry-shifted-blame-to-fat.html> Acesso em: 15/11/2016. Traduzidor por MIGLIACCI, Paulo. Como a indústria do açúcar empurrou a culpa para a gordura. Folha de São Paulo, 19/09/2016. Disponível em: <folha.com/no1813919> Acesso em: 15/11/2016.

Óleo de Lorenzo. Direção: George Miller. Universal Pictures, 1992. (135 minutos). Título original: Lorenzo's Oil.

Pela Vida do Meu Filho. Direção: Jim Abrahams. Pebblehut Productions e Jaffe/Braunstein Films, 1997. (120 minutos). Título original: …First Do No Harm.

ROSUVASTATINA CÁLCICA. [Bula]. Responsável técnico: Gabriela Mallmann. Guarulhos: Aché Laboratórios Farmacêuticos S.A, 19/12/2014. BulasMed. Disponível em: <www.bulas.med.br/p/bulas-de-medicamentos/bula/819459/trezor.htm> Acesso em: 16/11/2016.

SANTOS, Wildson L. P. dos. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, 2007, v. 12, nº 36, p. 474-550. Disponível em <www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf> Acesso em: 13/11/2016.

SHEN, Benjamin S. P. Science literacy. American Scientist, v. 63, n. 3, mai/jun 1975. Disponível em <www.jstor.org/stable/pdfplus/27845461.pdf> Acesso em: 13/11/2016.

SOARES, Magda. Letramento em ensaio: Letramento: como definir, como avaliar, como medir. In: _____. Letramento: um tema em três gêneros. 4ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010 (1998).

SOLE, Dirceu; SAKANO, Eulalia (Coord.). III Consenso Brasileiro Sobre Rinites. Brazilian Journal de Otorhinolaryngology. 75 (6) Nov/Dez, 2012. Disponível em: <www.aborlccf.org.br/consensos/Consenso_sobre_Rinite-SP-2014-08.pdf> Acesso em: 16/11/2016.


Leandro Bolina

Jornalista e fundador do Jornal Online MELHOR VIVER.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pin It on Pinterest